Meio milhão de docentes dá aulas sem formação ideal
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Data: 7 de Junho de 2010
Título: Meio milhão de docentes dá aulas sem formação ideal
Veículo: Portal Aprendiz
Autor:
Meio milhão de professores da educação básica ensina, nas salas de
aulas da rede pública brasileira, disciplinas sobre as quais não
aprenderam durante o curso superior. Nos mais variados colégios
brasileiros, profissionais formados em matemática dão aulas de física
e professores de educação física dão aulas de biologia, por exemplo.
Eles representam quase um quarto dos 1.977.978 educadores dessa etapa.
Dados do Censo Escolar 2009 tabulados pelo Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) revelam que
pouco mais da metade (53,3%) dos professores que atuam no ensino médio
na rede pública têm formação compatível com a disciplina que lecionam.
O total é de 366.757. Nas séries finais do ensino fundamental, etapa
na qual as matérias começam a ser dadas por professores de áreas
específicas, a proporção é ainda menor: 46,7% de 617.571 docentes. O
levantamento feito pelo Inep considerou apenas a inadequação dos
professores que já possuem diploma de curso superior. A quantidade de
docentes que atua nos colégios brasileiros sem ter freqüentado uma
universidade também é grande: 152 mil, como divulgou o iG. Os números
revelam que a maior distorção está na área de exatas, na qual os
profissionais formados nos cursos de licenciatura do País são
insuficientes para suprir a demanda.
Segundo o censo, nas séries finais do ensino fundamental, apenas 5%
dos professores de física têm licenciatura na área. Em química, apenas
10,4% dos docentes têm formação adequada. Em biologia, 16,4%. Mesmo em
língua portuguesa, a disciplina dessa fase que mais possui professores
com formação adequada para o ensino da matéria, os qualificados não
passam de 65% do quadro de profissionais da área. No ensino médio, as
áreas que “lideram” as estatísticas da inadequação entre diploma
universitário e matéria dada em sala de aula são um pouco diferentes
do fundamental. Além da física, em que apenas 25,1% dos docentes que
lecionam a disciplina têm formação na área, em química, 28% dos
profissionais dão aulas sem qualificação adequada. Faltam também
professores especialistas de língua estrangeira e de educação
artística, por exemplo.
Carlos Eduardo Sanches, presidente da União Nacional dos Dirigentes
Municipais de Educação (Undime), afirma que a realidade preocupa os
gestores. “A formação dos professores tem tudo a ver com a qualidade
de ensino. Não há como pensarmos em melhorar a educação sem
investirmos nisso”, afirma. Um estudo feito pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), com base nos
dados do Censo Escolar de 2007, mostra que os Estados com maior número
de professores sem formação adequada (incluindo aqui os docentes
leigos que atuam nas redes) são os que têm pior desempenho do Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). O presidente da Undime,
que é secretário municipal de Educação na cidade de Castro, no Paraná,
diz que os dirigentes são “obrigados” a contratar profissionais sem a
qualificação ideal. Ele conta que, quando começou a gerenciar o
sistema educacional de Castro, em 2005, 43% dos professores não tinham
curso superior. Hoje, o número caiu para 28%.
“Ainda hoje contratamos professores que só possuem ensino médio porque
existe uma lacuna muito grande a ser preenchida. Faltam professores
nas áreas de biologia, química, física. Mas, junto a isso,
investimentos em formação. Os que não têm graduação vão para a
universidade e os que têm fazem pós. Temos de fazer um planejamento a
longo prazo”, pondera. Para isso, reforça Carlos Eduardo, a União
precisa investir mais recursos em estados e municípios. Professora
eventual da rede pública de Santos, litoral de São Paulo, Daiane
Santos ainda não terminou a faculdade e já enfrenta as dificuldades da
profissão. Prestes a se formar em história, ela passa a semana
preparando aulas de matemática para os alunos do 7º ano do ensino
fundamental. Ao passar no concurso para temporários, Daiane teve de
procurar por vagas ociosas de professores efetivos para conseguir dar
aulas. Só conseguiu em matemática, na
qual a escassez de profissionais é grande. “O professor que seria o
‘dono’ dessas aulas está em licença e deu a entender que não deve
voltar neste ano. Então eu devo continuar com as aulas dele”, conta.
Para preparar o conteúdo, ela se vale do fato de ter concluído o
ensino médio há poucos anos. “Não estou tendo dificuldades para rever
as matérias e ensinar. Meu problema, às vezes, é com alunos que
rejeitam o fato de eu ser professora substituta e acham que não
precisam fazer os exercícios, mas até isso eu consigo contornar”,
garante. Jussara Regina Avele Knopik leciona matemática para turmas de
2º e 3º anos do ensino médio há quatro anos. Concursada para trabalhar
40h na rede estadual do Paraná, ela também é escalada para atuar como
professora de física. As aulas de física, como conta, sempre “sobram”
na escola, por falta de professores. Como gosta do assunto, ela
procurou fazer novos cursos para aprender mais do que o estudado na
faculdade, onde teve aulas de física por quatro semestres. Ela já fez
cinco, incluindo um em astrofísica, oferecido pelo MEC em parceria com
o Observatório Nacional. “Quando tiver mais tempo, quero fazer um
curso de ensino a distância na área”, afirma.
Veridiana Dias, de Arealva, interior de São Paulo, também é professora
temporária. Por causa disso, não escolhe a aula que é capacitada para
dar. Quando a escola da rede estadual que a contrata chama, ela tem de
lecionar o que vier. “Eu moro perto da escola e, às vezes, eles me
ligam no horário da aula porque o professor faltou e não avisou com
antecedência. Tenho de ir com a cara e com a coragem, sem ter tempo de
me preparar”, conta a docente, formada em letras, com habilitação em
português e espanhol, e que já teve de lecionar física, sociologia e
inglês. A experiência tem sido tão desagradável que Veridiana, mesmo
tendo passado no concurso para efetiva, pensa em deixar a carreira na
rede pública em breve. “Estou fazendo pós-graduação em espanhol e
pretendo trabalhar com empresas ou na rede particular”, lamenta. (IG)








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