09 maio 2010

Novos pobres estão moldando as eleições?

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Data: 9 de Maio de 2010
Título: Ainda começamos a descobrir como aumento de renda e evolução da
escolaridade vem mudando a cabeça do brasileiro
Veículo: Folha de São Paulo
Autor: GILBERTO DIMENSTEIN

Na cidade de São Paulo, 65% dos habitantes com mais de 16 anos têm, no
mínimo, o diploma de ensino médio; no país inteiro, 55% deles vivem a
mesma situação. Esses dados, que fazem parte da base com que o
Datafolha elabora, neste ano, a amostragem de suas pesquisas
eleitorais, ajudam a entender, pelo menos em parte, por que os
eleitores, especialmente os mais pobres, estão mais exigentes ao
"comprar" produtos e candidatos. Os três principais candidatos à
Presidência, Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva, parecem
encaixar-se no perfil de um eleitorado com maior escolaridade. Pelo
menos até agora, eles demonstram um discurso com fortes toques de
racionalidade, sem apelos messiânicos. Foi o que se viu no encontro
que tiveram na semana passada, em Minas Gerais, onde participaram de
um debate. Em São Paulo, os dois principais candidatos, Geraldo
Alckmin e Aloizio Mercadante, também têm esse perfil mais técnico.
Seria apenas coincidência?
Ainda estamos começando a descobrir como essa combinação de aumento de
renda com evolução da escolaridade e aprendizado da democracia vem
mudando a cabeça do brasileiro. Não param de aparecer surpresas. Um
grupo de grandes empresas, entre as quais a Unilever e a PepsiCo,
patrocinou um estudo sobre como o brasileiro percebe sua condição
social. Mais da metade dos mais pobres (pertencentes às classes D e E)
não se vê como pobre. Imagina-se pertencente à classe média baixa.
Quanto maior a escolaridade, menor a percepção da pessoa de que faz
parte do grupo mais pobre. Até porque parte desse grupo incorporou em
sua vida símbolos do que se imagina como riqueza: um carro, por
exemplo, ou um filho entrando na faculdade, mesmo que graças a alguma
ajuda pública ou por causa de mensalidades baratas. O que mais cresce,
no Brasil, são cursos a distância: não são poucos os alunos que fazem
as aulas da LAN house mais próxima de suas casas. Há relatos de
problemas nas universidades porque alunos mais velhos, casados e com
filhos, não toleram a dispersão e a bagunça dos colegas mais jovens,
interessados nas baladas e sem saber direito o que querem da vida.

Suspeito até que esteja aí um dos segredos do prestígio de Lula.
Contrariando a expectativa do senso comum, como detectou o Datafolha,
a área mais bem avaliada do governo dele não são os programas de
distribuição de renda (Bolsa Família). Está na frente (ligeiramente,
mas na frente) a educação, sem o governo gerir escolas. Minha suspeita
é que o ProUni tenha uma enorme carga simbólica na vida desses milhões
de brasileiros que olham o ensino superior como uma espécie de porta
da esperança. Na semana passada, o governo federal apresentou um
crédito educativo ainda mais facilitado. Para quem se dispuser a dar
aulas em escola pública, a dívida será encerrada. Misturam-se desde
promessas de expansão técnica até a universalização da banda larga.
Colhi pesquisas que indicam que, entre os mais pobres, banda larga é
sinônimo de mais informação, e mais informação é sinônimo de chance de
emprego.

Na semana passada, foram divulgados os mais recentes dados sobre a
taxa de natalidade em São Paulo. O que se vê é uma situação
inimaginável até pouco tempo atrás: em breve, a população da capital
vai encolher em termos absolutos. Quanto maior a escolaridade da mãe,
independentemente da renda, menor o número de filhos. Aliás, nos
bairros pobres com maior número de mulheres no ensino médio, a queda
da taxa de violência foi maior. Em todo esse movimento, a mulher se
destaca. É ela quem mais vai à faculdade. É ela quem está em maior
número na pós-graduação. E, para completar, há indicações de que suas
notas sejam melhores. Por isso, é cada vez mais chamada aos melhores
empregos nos segmentos mais sofisticados da economia. Mães mais
educadas ajudam a entender a descoberta feita por um instituto
especializado em levantar opinião das camadas mais pobres (o
DataPopular): a classe C já compõe a maior parte dos alunos das
escolas particulares.

Se tudo isso faz com que o consumidor seja mais exigente, fato
sobejamente conhecido das empresas (tanto que vêm tentando aprimorar
seus produtos para os mais pobres), por que ele seria menos exigente
na hora de "comprar" um candidato? PS- Achamos virtudes e defeitos nos
três principais candidatos e em suas propostas. Vamos ter de suportar,
como sempre, bobagens marqueteiras e falsas promessas. Mas não dá para
deixar de admitir que essa seja uma combinação rara de candidatos
preparados intelectualmente, com experiência política e
administrativa, sem que se conheça (pelo menos até agora) qualquer
coisa que aponte qualquer falta grave e moral. Talvez, quem sabe,
tenhamos a chance de assistir a debates civilizados como o que ocorreu
na semana passada em Minas Gerais.

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