Ensino Superior - A insistência no erro
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Data: 11/02/2004
Título: Ensino Superior - A insistência no erro
Veículo: Andifes
Autor: Paulo Jorge Sarkis
É difícil compreender como se produzem algumas análises oriundas do governo sobre variados setores da administração pública e em nosso caso, sobre os gastos com as Instituições Federais de Ensino Superior.
Em várias ocasiões já se teve a oportunidade de discutir os indicadores que permitam uma correta avaliação do desempenho e retorno para o País dos investimentos públicos em educação superior. Existem indicadores para todos os gostos. Comparações internacionais podem ser feitas com os mais diversos países de acordo com os interesses de quem as propõe. Entretanto, além dos indicadores, observa-se a insistência de algumas fontes em adotar números propositadamente distorcidos e compará-los com indicadores internacionais que nada tem a ver com os nacionais.
É bem ilustrativo desta situação o recente estudo do Ministério da Fazenda sobre o "Gasto Social do Governo Central".
Ao buscar as comparações internacionais, evitaram-se países que fizeram do investimento em educação (superior, inclusive) sua base principal para romper o subdesenvolvimento, como foi o caso dos chamados tigres asiáticos.
Tomando por base o percentual do PIB per capita (e não do PIB total) que é gasto por aluno matriculado (e não por diplomado) em curso superior, o estudo dá a entender que o ideal seria termos universidades federais de péssima qualidade, distanciadas das universidades do chamado primeiro mundo.
O PIB per capita na maioria dos países da OCDE é superior a 20 mil dólares anuais e crescente. O PIB per capita do Brasil, com a estagnação econômica e o aumento populacional, é inferior a 8 mil reais, ou seja, míseros 2,58 mil dólares e decrescente, conforme dados do BACEN de 1997 a 2002.
Se tentássemos agradar os índices dos técnicos do Ministério da Fazenda, gastando um percentual do nosso PIB per capita igual ou inferior aos países da OCDE, cujo PIB per capita é astronomicamente maior, certamente o Brasil não estaria competindo no comércio internacional com produtos de alta tecnologia industrial ou agropecuários de alta qualidade.
Mas, não bastasse a insensatez do índice, também a sua determinação é viciada.
Ao computar os 6,3 milhões de reais que teriam sido gastos pelo Governo Federal com suas IFES, lá estão incluídos os gastos com os Hospitais Universitários. Ora, em qualquer dos países tomados para comparação, os Hospitais Universitários são fonte de ingresso de receitas e lucros que ajudam a custear a estrutura de ensino superior.
No Brasil, os Hospitais Universitários são a espinha dorsal do chamado Sistema Único de Saúde, altamente deficitário. Encargos de energia, bolsas dos médicos residentes, pessoal, água, telefone dos hospitais e muito mais são computados como gastos com a educação.
Assim mais de 30% do que supostamente se gasta com educação superior, entre pessoal, custeio e bolsas, na verdade é dinheiro utilizado para a saúde dos grupos sociais mais carentes, que nada tem a ver com a realidade do hospital-escola, finalidade primeira a que se destinam os hospitais universitários. Para tornar tal comparação ainda mais bizarra, neste estudo, não se considerou os recursos gerados pelos hospitais dos países da OCDE que são investidos no ensino superior.
Feitas todas as correções, mesmo adotando o índice de PIB per capta proposto no estudo, estaríamos no mesmo nível dos países da OCDE e muito abaixo dos países que conseguiram romper a barreira do subdesenvolvimento.
Na comparação com os nossos vizinhos sul-americanos, o estudo da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda faz eco a um erro absurdo que tem sido repetido a exaustão pelo Governo. A veiculação é tão forte que até na área acadêmica, algumas vezes, é utilizado sem maior cuidado.
Trata-se aqui do número de alunos matriculados em cursos superiores. Nas universidades brasileiras há um processo seletivo antes do ingresso. Nos países vizinhos, o ingresso é livre e a seleção se dá nos semestres iniciais.
Desta forma, nesses países, a grande maioria dos alunos "matriculados" em curso superior está em processo de seleção interna no primeiro ano. Os índices de evasão quando se relaciona ingressantes e diplomados é, com freqüência, superior a 90%. Nas universidades públicas brasileiras a evasão registrada no último senso do INEP/MEC foi de 30,5%.
Já faz algum tempo que os estudos sérios deixaram de considerar o número de alunos matriculados, como referência na comparação entre esses dois sistemas tão díspares. Ele foi substituído, muitas vezes, pela comparação entre o número de diplomados anualmente. Nestes casos, os índices brasileiros são tão bons ou melhores do que os países sul americanos usados na comparação do Ministério da Fazenda.
Entretanto, essa insistência em afirmar que o Brasil gasta demasiado com a Educação Superior, apesar desse argumento ser incapaz de resistir a duas páginas de argumentação, deve atender aos interesses de alguém ou alguns grupos, interessados em reduzir o único investimento que uma sociedade realmente democrática, jamais poderá deixar para depois: a educação de seus jovens e a formação de uma intelectualidade, capaz de fazer frente aos desafios tecnológicos e sociais propostos no mundo globalizado.
É tempo de parar de insistir no erro dessas comparações descabidas e priorizar os recursos para avançar. A educação, em todos os níveis, não pode esperar mais.








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