21 junho 2010

"Hoje em dia, a formação não termina", entrevista com Ângela Uller

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Data: 21 de Junho de 2010
Título: "Hoje em dia, a formação não termina", entrevista com Ângela Uller
Veículo: O Globo
Autor: Paula Dias

Pró-reitora de Pós-Graduação da UFRJ diz que mestrados e doutorados estão mais alinhados com o mercado A UFRJ conta, hoje, com 312 cursos de pós lato sensu e 98 stricto sensu, sendo sete mestrados profissionalizantes. No comando dessa grade está a engenheira Angela Uller, ex-diretora da Coppe e atual pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa da universidade.

Rigorosa no processo de aprovação de novos cursos e alunos, a professora garante que mestrados e doutorados podem ser tão competitivos quanto especializações, principalmente diante do incentivo crescente do governo em pesquisa.

"As pessoas têm encarado os cursos stricto sensu com olhos voltados para o mercado. Elas estão mais conscientes do que precisam fazer para alinhar o conteúdo aprendido ao objetivo que querem alcançar", afirma.
Leia a entrevista:

- O que faz o mercado de pós-graduações crescer tanto?

Hoje em dia, a formação não termina. O conhecimento evolui tão rápido que as pessoas têm sentido necessidade de buscar outras formações, seja conhecendo assuntos novos ou se aprofundando no que se graduaram.
O mercado de pós cresce porque representa uma nova possibilidade de direcionamento.

- Na sua opinião, há MBAs demais no mercado atualmente?

Sim. Acho que esse boom foi longe. Hoje há cursos tão específicos que chegam a não ter propósito. E ainda não existe, no Brasil, uma certificação que avalie a qualidade das especializações lato sensu, como a Capes faz com os cursos stricto sensu, usando normas claras e
rígidas.

- Fala-se muito da qualidade dos cursos, mas quem são os alunos das
especializações? Como a UFRJ se preocupa em selecioná-los?

Nem todos os cursos de pós-graduação da UFRJ têm provas de seleção, mas não abrimos mão da análise de currículo e entrevista. Através delas, percebemos se o aluno está alinhado ou não ao objetivo do curso. A Coppead, por exemplo, considerada uma das melhores escolas de negócios do mundo, é extremamente criteriosa no processo de seleção.
Só entra quem é extremamente qualificado e tem experiência no mercado.

- Você acha que, hoje em dia, é a pós que direciona a carreira do
profissional e não mais a formação original?

Não. Acho que a graduação ainda direciona a carreira do profissional.
Não dá para negar que o mercado de pós está crescendo, mas o país
ainda tem, hoje, mais gente fazendo graduação do que especialização.
Na UFRJ, por exemplo, são 40 mil alunos de graduação contra 15 mil de
pós. E vou além: as pessoas costumam se aperfeiçoar dentro da
profissão que escolheram na graduação.

- Você acha que, com a competitividade cada vez maior do mercado, o
mestrado e o doutorado tendem a perder espaço para MBAs e
especializações que são mais rápidas?

Não, pois são formações diferentes. O curso de pós lato sensu é mais de informação do que de formação, ou seja, ele é ideal para ter um olhar diferenciado do mercado em pouco tempo. Já o mestrado ensina a responder perguntas; e o doutorado, a fazer. Acho que houve uma desmistificação do mestrado e do doutorado: as pessoas estão melhor informadas, hoje, sobre o que é cada um deles. Isso leva a uma maior consciência do que elas precisam fazer para alinhar o conteúdo aprendido no curso com o objetivo que querem alcançar no mercado. Para se ter uma ideia, antigamente, a nossa maior clientela na Coppe era de alunos que queriam bolsas. Hoje, é de alunos de empresas.

- Quando o MBA surgiu, havia uma clara diferenciação: ele era voltado
para o ambiente empresarial, enquanto o mestrado era voltado ao campo
acadêmico. Essa concepção mudou?

Sim. As universidades públicas progrediram muito nesse aspecto. As dissertações de mestrado e teses de doutorado, de forma geral, estão mais preocupadas com os problemas da sociedade e a realidade do mercado. Isso tem acontecido, em parte, por indução do governo, que tem realizado mais editais de incentivo à inovação, pesquisa e desenvolvimento. O reflexo disso é que as pessoas têm encarado os cursos stricto sensu com olhos voltados para o mercado.

- As universidades públicas têm mais dificuldade do que as
instituições particulares para criar cursos de pós-graduação? O
problema é de verba ou de burocracia?

Não chamo de dificuldade. O que acontece é que as universidades federais têm regras mais rígidas do que as particulares para aprovar cursos. É quase uma corrida de obstáculos: primeiro passa pelo departamento, depois pela unidade acadêmica, depois pelo conselho universitário... Mas não é uma questão de burocracia, porque todo esse caminho pode ser cumprido rapidamente. É uma questão de controle de qualidade. A pós lato sensu tem menos exigências do que a stricto, pois a lato é a universidade que aprova e credencia internamente. Já a pós stricto sensu passa pela Capes e vai para o Conselho Federal de Educação.

- Como você avalia a oferta de cursos de pós-graduação pagos dentro de
uma universidade pública, como a UFRJ?

Há quem defenda que eles são
inconstitucionais, uma vez que a universidade pública tem o compromisso da gratuidade. E há quem diga que é cabível serem pagos pelo fato de não fazerem parte dos serviços básicos de uma universidade, que é a graduação. O que você acha disso?

Eu acredito que a pós stricto sensu deve ser gratuita. Já a lato pode ser paga ou gratuita. A lei prevê que a universidade pública tenha graduação, mestrado, doutorado, pesquisa e extensão. Ou seja, não há obrigação de ter cursos de especialização. Se estamos formando
profissionais para o empresariado, por que não deveríamos cobrar?
Cobrar é, inclusive, aprovado pelo Conselho Federal de Educação e estimulado pelo MEC. Essa decisão é democrática e passa por cada unidade acadêmica.

- O que você acha da pós-graduação a distância?

Não tenho nada contra, mas acho que o sistema precisa de boa gestão e maturidade por parte do aluno. Nos cursos a distância, os alunos têm uma interação melhor com os tutores do que os estudantes de cursos presenciais têm com os professores. Tudo porque, muitas vezes, o aluno
que se matricula em um curso a distância tem mais responsabilidade do que o aluno do curso presencial: ele tem a consciência de que a sua formação depende mais dele e não da escola. É uma pena, mas nem sempre o aluno do sistema presencial aproveita com qualidade o tempo que
passa em sala. Aqui na UFRJ já temos parte do corpo docente atuando em cursos a distância de graduação, além de especializações lato sensu em sistema semipresencial. É um processo novo, porque a universidade pública tende a ser mais conservadora. Mas está dando certo.

- O que você acha dos mestrados profissionalizantes?

Acho que há lugar para tudo. A UFRJ tem sete cursos de mestrados profissionalizantes, todos muito específicos. Essa, inclusive, é a grande diferença do mestrado profissionalizante para o stricto sensu normal: o primeiro fecha o olhar e o outro dá uma visão multidisciplinar de determinada área. Depende muito do que o aluno quer.

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