Ensino superior: perspectivas bem distantes da necessidade
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Data: 28 de Abril de 2010
Título: Ensino superior: perspectivas bem distantes da necessidade
Veículo: Mário Boechat
Autor:
O debate sobre o financiamento e expansão do ensino superior no Brasil tem sido frequente nas reuniões das lideranças educacionais brasileiras. Recentemente, a União Nacional dos Estudantes (UNE) realizou, no Rio de Janeiro, o Conselho Nacional de Entidades Gerais da entidade (Coneg), para discutir, entre outros assuntos, as propostas para a rede pública de ensino superior. A secretária de Ensino Superior do Ministério da Educação (MEC), Maria Paula Dallari Bucci, por exemplo, defende as políticas públicas atuais. Segundo ela, a expansão que tem sido verificada nos últimos anos, ao contrário do que dizem os críticos, tem vindo acompanhada de qualidade.
"A própria criação de um sistema de indicadores da educação superior, que organiza o sistema de defesa da qualidade, foi uma das principais iniciativas neste sentido. Pela primeira vez, temos um sistema muito estruturado que dá conta do problema da qualidade. O MEC já tem agido no sentido de fechar cursos com pior qualidade, proibir vestibular, reduzir vagas dessas graduações. Isso é possível porque existe o Enade e os outros indicadores. Com isso, não só o MEC tem condição de fazer o que precisa ser feito, que é eliminar as práticas que não são satisfatórias, mas também de orientar os alunos e professores", revela.
O quadro, porém, ainda está aquém do que é estipulado pelo próprio MEC como aceitável para o país. Segundo a secretária, os dados de 2008 apontam para apenas 16% da taxa líquida de estudantes matriculados em uma instituição de nível superior. Esse percentual refere-se aos universitários na faixa etária de 18 a 24 anos. Analisando a taxa bruta, o contingente chega a 26%, considerando os alunos de todas as idades. No entanto, segundo a dirigente, esse número vai aumentar, pois não está inserido aqueles que ingressaram através do programa de expansão do ensino superior federal, o Reuni. "São dados de 2008, que ainda vão aumentar, pois não captam a evolução do Reuni, que vai aparecer no próximo censo. Neste ano, provavelmente vamos atingir a meta no que tange à taxa bruta, que é de 30%. No entanto, vai demorar um pouco mais para alcançar um percentual mais razoável para a taxa líquida, em decorrência do problema da defasagem das séries que existe no Brasil. Uma das metas que o MEC está trabalhando para 2020 é a aproximação dessas duas curvas. À medida em que o fluxo vai sendo corrigido, a tendência é que tenhamos uma diferença menor entre as taxas bruta e líquida", explica Maria Paula.
A necessidade de aumentar esses percentuais é tão latente que a secretária afirma que é difícil o Brasil conseguir se desenvolver sem atingir este objetivo. "O ProUni e o Fies trabalham dessa maneira, financiam estudantes que gostariam de estar em uma universidade, mas não estavam por razões econômicas. Com a base de dados unificada, já está automatizado o processo segundo o qual um curso mal qualificado fica impossibilitado de oferecer bolsas do ProUni e do Fies para seus alunos. Com isso, garantimos que a expansão que ainda precisa ser feita seja qualificada. A direção está correta, agora vai ganhar velocidade e ritmo", acredita. Secretário-executivo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Gustavo Henrique de Sousa Balduino confirma a necessidade de ampliar o acesso de jovens na idade de 18 e 24 anos. No entanto, seria preciso também criar oportunidades de ingresso para pessoas que se encontram fora dessa faixa etária. Ainda segundo ele, o investimento deve se basear na expansão das redes pública e privada.
Uma terceira frente analisada pelo dirigente da Andifes é o desenvolvimento do ensino a distância. Para ele, a modalidade ainda é pouco difundida no Brasil. "Estamos muito incipientes ainda nessa área, que possui meios tecnológicos e pedagógicos de garantir a qualidade e dar um crescimento exponencial à expansão", declara o dirigente. Gustavo Balduino acredita que novas fontes de financiamento surgiram nos últimos anos, como o pré-sal. Diversas propostas vêm sendo feitas pelas entidades, parlamentares e personalidades ligadas à área educacional para destinar um percentual dos recursos para a Educação. Entre elas está a UNE, que exige pelo menos 50%. "Se uma parcela da verba do pré-sal for repassada à Educação, vai auxiliar na expansão. Seria interessante se o governo federal destinasse 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para esta área. Vamos tentar incluir isso no próximo Plano Nacional de Educação", comenta.
Vice-presidente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, o deputado federal Paulo Rubem Santiago (PDT-PE) revela que cerca de 40% do orçamento fiscal da União estão comprometidos com os juros e a amortização das dívidas. Segundo o parlamentar, esse alto percentual da verba pública destinado a essa finalidade engessa os investimentos em diversos setores mais urgentes da sociedade, como a Educação e a Saúde. "O que nos preocupa é que ao longo desse ano temos uma excelente capacidade fiscal que está sendo desviada para uma parte da sociedade que vive da renda dos juros da dívida pública. E o Brasil tem que enfrentar esse debate. Este percentual de 40% pode ser um instrumento de reforço no financiamento da infra-estrutura e do desenvolvimento. Mas, no Brasil, deixou de ser um instrumento de reforço à capacidade de investimento do estado para ser meramente de enriquecimento financeiro. Hoje, o estoque da dívida, que chega a R$2 trilhões, é majoritariamente de papéis, que são comprados e manipulados pela elite financeira do Brasil e do mundo. O país não pode viver das sobras, precisa ampliar o acesso às vagas nas universidades e melhorar os diversos níveis da educação brasileira", critica o deputado federal.
"Controle de qualidade deve ser permanente" - A secretária de Ensino Superior do Ministério da Educação (MEC), Maria Paula Dallari Bucci, afirma que os próximos governos deverão manter o controle de qualidade criado na sua gestão. Segundo ela, esta é a única forma de obter êxito em uma das principais bandeiras da pasta: a expansão do ensino superior nas universidades federais.
Como expandir sem abrir vagas em cursos com má qualidade?
Maria Paula Dallari Bucci - A função de regulação e fiscalização do MEC terá que ser exercida em caráter permanente. Quem vier a ocupar essas funções terá que verificar se as instituições estão submetendo seus alunos ao Enade, para que eles tenham consciência da responsabilidade de fazer esse exame. Os alunos das melhores instituições, especialmente as públicas, têm que saber também que possuem uma grande responsabilidade em relação à indicação de qualidade dos cursos, pois esses sistemas de indicadores são relativos. Quanto mais bons cursos e universitários participam do exame e obtêm suas notas, mais eles provocam uma inclinação do sistema no sentido positivo. Quanto mais eles se desobrigam e instituições mal qualificadas realizam a prova, mais o conjunto da qualidade apontará para baixo.
O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) afirma que o Brasil deveria destinar 100% da verba do pré-sal para a Educação. O presidente da UNE, Augusto Chagas, luta para destinar 50% do total. A senhora acredita que essa fonte seria importante para investimentos na Educação?
Sim, quanto mais recursos, mais investimento. O orçamento do MEC na gestão do ministro Fernando Haddad triplicou. E não há dúvidas de que essa é uma das razões para o sucesso de várias políticas de educação que dependem de recursos. No caso do ensino superior, as atividades de pesquisas das instituições mais qualificadas dependem de estrutura, laboratório, biblioteca, sem falar na contratação de professores, que é o principal insumo de uma atividade de ensino. Sem recursos, não há como falar em ter uma atividade qualificada, que é o que o MEC almeja.
Algumas instituições privadas criticam o MEC pelo fato de não investir na expansão do ensino superior nas universidades particulares. Como a senhora analisa essa questão?
Existem programas específicos para situações específicas. Foi aprovado com a participação do MEC um programa com o BNDES que destina uma linha de financiamento para as instituições privadas. E esse programa ainda não está sendo utilizado na sua plena capacidade, pois uma das exigências que ele faz é exatamente a qualificação dos indicadores educacionais. O MEC vai apoiar a expansão qualificada. Não vamos patrocinar a expansão de quem não tem qualidade. O crescimento também será feito nas instituições particulares.
O resultado das eleições poderá afetar os diversos programas de financiamento ao ensino superior e os programas de expansão?
O MEC tem que se preocupar com a condição de sustentabilidade de programas, que em Educação, como sabemos, é de longa maturação. Qualquer melhoria que se queira obter em Educação depende de um investimento continuado, ao longo dos anos, do envolvimento das pessoas, da participação dos professores. Não é uma coisa que se possa começar em um ano e terminar no seguinte. É muito importante que essa política de qualidade tenha continuidade e ela exige muita determinação e energia, no sentido de coibir as práticas que não devem ser aceitas. Algumas instituições não ficam satisfeitas com a determinação do fechamento de cursos, mas é preciso ter essa meta como orientadora da política e dar continuidade. No que diz respeito ao Reuni, ProUni e outros programas de expansão, a preocupação é ter continuidade, para que uma geração de alunos se forme e não apenas tenha início no curso.








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