Uma janela para o mundo
Data: 02/ 09/ 2009
Título: Uma janela para o mundo
Veículo: Folha Dirigida, Rio de Janeiro RJ
Autor: Mário Boechat
Mário Boechat
Um dos princípios básicos da formação humana passa pelo aprendizado da leitura e, em consequência, da escrita. A partir desta concepção, um leque de opções é aberto e uma nova visão de mundo surge, com maiores possibilidades de interação com o outro pela manifestação da palavra. A experiência da leitura transforma o cotidiano das pessoas, que se inserem em um diferente contexto social e até profissional. O texto escrito é uma forma de adquirir conhecimento e é distinto em relação a qualquer outro método. O leitor consegue imaginar toda a cena descrita pelas palavras, com criatividade e fantasia totalmente singulares. No entanto, o Brasil é um país que estimula pouco esta prática. A iniciação deve ser realizada durante a fase de alfabetização da criança e incentivada ao longo dos anos, para que se torne um hábito. Quanto mais tarde a leitura for incitada, mais difícil para o jovem ou adulto ter este costume. De acordo com a crítica literária e diretora do projeto "Crianças de Lá e de cá", Rona Hanning, o incentivo à literatura infantil deve iniciar-se pela apresentação das obras de qualidade, com critério especial, e também pela conservação do acervo e na mediação da literatura, para todos os tipos de crianças
"É necessário utilizar a leitura para todas as idades. Tem que ter um jogo de sedução, de interesse, encanto. O primeiro cuidado é esta atenção de quem vai fazer esta apresentação e como ela será feita. Um outro ponto importante é a questão do estímulo. Colocaria essa palavra junto com motivação e formação. Não se forma leitor em qualquer lugar e nem de qualquer maneira. E, para motivar, deve-se ter afeto pelo livro e também pelo outro", explica. A supervisora pedagógica do programa "Salto Para o Futuro" da TV Escola, Rosa Helena Mendonça, acredita que a aproximação da criança com a leitura literária pode ser feita de muitas formas, como a família e a escola. Segundo ela, estas esferas têm importância maior ainda quando incentiva a prática de contar histórias. "As histórias contadas oralmente devem passar de geração para geração. Elas estimulam a imaginação das crianças, que devem ter mais contato com os livros de literatura, que contam com uma produção muito grande, de alta qualidade, tanto de texto como de ilustrações. O produto livro está muito bem cuidado, tem um valor muito grande. A aproximação é importante, não só na família como também na escola, nas bibliotecas, por meio de projetos", destaca. Rosa Helena Mendonça conta que a literatura lida com uma matéria-prima que auxilia as crianças e jovens a entenderem o mundo em que vivem. Para a supervisora pedagógica, eles passam a ter contato com determinadas questões do cotidiano humano, como a morte, além de fazê-los elaborar estar questões através da fantasia.
As bibliotecas devem ter grande acervo - Escritor de livros de literatura infantil, Bartolomeu Campos de Queirós revela que o incentivo à leitura não deve ser de responsabilidade somente da escola. Para o autor, toda uma sociedade deve estar envolvida com o projeto da leitura, para formar o leitor. "Vejo que o movimento de leitura hoje no Brasil tem que pensar tanto na escola e na criança, como no professor, na família e na sociedade. Assim também como na organização de bibliotecas. Tudo isto para formar este leitor. O colégio, dentro de sua referência, deveria ensinar a criança a procurar a biblioteca pública, para pegar livros emprestados. O exemplar da biblioteca é para ser emprestado, levado para casa, não comprado. A escola deveria também democratizar este espaço", explica o escritor. A crítica literária Rona Hanning garante que a qualidade no acervo é fundamental para fidelizar o leitor. De acordo com ela, para ler, é preciso ter o livro. "As escolas públicas têm um acervo muito bom, mesmo as do interior. Umas mais, outras menos, mas têm livros. E de qualidade, pois passam por uma seleção rigorosa. O desafio agora é exatamente entender como vamos fazer esse livro tornar-se um objeto significativo. E não só um livro de estante. É importante ter o interesse da criança pela leitura, e proporcionar um diálogo, pois a leitura será feita com um mediador", relata.
Rona Hanning afirma que os clássicos literários são fundamentais para a criança pegar gosto pela leitura. E com este status estão diversos segmentos, como os contos de fadas, fábulas e mitos. Autores brasileiros, como Monteiro Lobato, considerado um dos maiores escritores de literatura infantil, possuem este prestígio pois não são vistos isoladamente, mas relacionado ao mundo e as vivências atuais. "Exatamente por isso eles são clássicos, pois são imortais e atemporais. A relação deve ser puxada para a criança, oferecer a leitura e pedir para que ela faça uma reflexão do que isto tem a ver com a vida dela", analisa Hanning.
Televisão e internet como forma de incentivo à leitura
Muitos especialistas apontam a televisão e o advento da internet como inimigos dos livros. Porém, há quem considere estas inovações tecnológicas como pontos positivos para a inserção das crianças na leitura. Rosa Helena Mendonça explica que as linguagens não competem, elas coexistem. "A televisão não acabou com o teatro, o cinema também não. Os meios eletrônicos e a internet não vão acabar com o hábito da leitura, mas haverá uma transformação. Os modos de ler já estão mudando. O leitor, mesmo que possua fôlego, já não encara mais um romance com 400 ou 500 páginas. Mudou um pouco, a própria literatura está se adequando a este novo ritmo", garante Mendonça. Idealizadora do projeto de leitura chamado de "Criança de lá e de cá", Rona Hanning afirma que o eixo de trabalho utilizado no programa é fazer a relação entre o livro e outras linguagens. Segundo ela, a televisão e a internet são ótimos contribuintes, com vídeos que ilustram e acrescentam informações além da leitura.
Em debate - A literatura infantil também é tema de encontros durante todo o ano. O projeto Leitura em Debate: literatura infantil e juvenil, que é realizado mensalmente, é fruto de uma iniciativa da Fundação Biblioteca Nacional, com o objetivo de criar um programa que fosse diferente dos moldes de uma mesa redonda tradicional. De acordo com a curadora e mediadora do projeto, Anna Cláudia Ramos, o programa tem uma preocupação com a formação do leitor de uma forma geral, mas sobretudo com a formação do educador. "Sempre convidamos três profissionais da área. A idéia é abranger essa possibilidade de que as pessoas entendam a leitura, principalmente a de literatura infantil juvenil como um potencial de formação de leitura", explica. Anna Cláudia afirma que toda edição é transmitida em tempo real pelo site do Instituto Embratel. Desta forma, o programa pode chegar a qualquer local do país, possibilitando a comunicação com outras regiões. "Sempre recebemos muitos e-mails de pessoas de estados mais distantes. É fundamental ressaltar a qualidade e o objetivo do Leitura em Debate, que lida com temas importantes como a leitura. E ainda com a chancela da Biblioteca Nacional, que faz toda a diferença", finaliza a curadora.
Luana Potsch, livro aos nove anos de idade - O hábito de ler desde criança não só influencia em uma mudança no cotidiano das pessoas. Pode acender uma outra prática: a escrita. Aluna do colégio São Vicente de Paulo, Luana Pestana Potsch é um exemplo. Aos sete anos, costumava trazer da escola seu Caderno de Criatividade. Nele, deveria escrever o que a sua imaginação criasse. Em certos momentos, queixava-se da falta de inspiração. Em algumas estórias, o personagem principal era Breno, seu irmão mais novo. Em 2009, já com nove anos, todas as estórias foram transformadas em um livro infantil, intitulado "Estorinhas de Luana". A iniciativa foi o resultado de uma parceria entre a escola e a família. "Durante o ano, no seu Caderno de Criatividade, era pedido que escrevesse alguma coisa. Construtivista, a escola dava às crianças a possibilidade de ter autonomia na criatividade. Nossa família acompanhou esta trajetória. E em diversos textos, seu irmão, Breno, na ocasião com quatro anos, era sempre fonte de suas inspirações", conta Fernando Potsch, pai de Luana, que é presidente da Associação dos pais do Colégio São Vicente de Paulo. A jovem autora definiu o nome, o tipo de capa e ajudou na correção do material depois de editado. O texto "Luana por Luana", escrito por ela, é um resumo exato do momento em que escreveu o livro. Atualmente, Luana tem lido toda a coleção Judy Moody, que é uma publicação voltada para o público infantil. "Gosto destes livros, pois falam de uma menina que muda de humor de uma hora para outra", diz a estudante, acrescentando que os temas que mais aprecia são terror e espaço sideral, além dos conteúdos ligados à juventude feminina e aos acontecimentos. Fernando Potsch acredita que os pais não devem forçar para que seus filhos escrevam livros. Segundo ele, não se pode transformar o prazer em obrigação. "Ao verificar os textos da Luana, escritos no caderno da escola, fiquei impressionado com a produção intelectual dela. Sugeri somente consolidar o conteúdo num livro. Com certeza, diversas crianças produzem maravilhosos escritos. A beleza está nos olhos de quem vê", finaliza.








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